eu não ficaria bem na sua estante

Luana Silva
3 min readNov 7, 2022

ainda não joguei fora o vaso português azul e branco que você quebrou. juntei todos os cacos e guardei num pote transparente pra te enviar qualquer dia desses.

e aquele clássico com a capa cor de abóbora que você me deu ainda está na minha estante acumulando pó.

me pergunto, às vezes, se aquela concha que eu te dei também está na sua, e se você também pensa, quando olha pra ela:

“as pessoas se vão e ficam as coisas”

é essa frase que me vem à cabeça quando vejo o sol é para todos dando sopa na estante. a gente não se livra de todas as memórias, nem mesmo quando quer. elas colam com super bonder em alguma parede do cérebro, pra que a gente nunca esqueça de lembrar do que foi bom.

para ser honesta, pra falar sobre o que eu sentia por você, preciso pegar algumas palavras do soulstripper emprestadas:

nunca foi amor, era uma parada bem mais legal (muito mais legal).

mas ainda que tenha sido bom, não foi essa coca cola toda, não. é por isso que de uma coisa eu tenho certeza: não era confortável pra mim viver na sua estante, assim como a concha vive agora.

amar errado é cansativo. é como pegar escala em três aeroportos diferentes no mesmo dia. é perda de tempo. é viver se machucando. é como dex e emma e aqueles malditos vinte anos — só que muito mais deprimente, entende o que quero dizer?

e é por isso que eu digo que duvido que qualquer farmacêutico tenha remédio que cause a mesma sensação eufórica de alívio que é desistir de me agarrar a qualquer vestígio de esperança por um quase nós.

agora sinto o tempo passando rápido demais e odeio isso, mas gosto que o calendário sempre aponta a direção: a nossa vida é pra frente. próximo dia, próximo mês, próximo ano. lembrar disso sempre me firma no chão.

mas ainda com todos os cacos quebrados, enxergo isso tudo como se fosse o morte e vida do klimt. nasceu e foi bonito. durou o suficiente pra render mais esse texto. e morreu de um jeito simbólico: sem um adeus concreto, só com um monte de fragmentos soltos. um último se cuida, quase em código Morse. uma concha esperançosa e um livro clássico cor de abóbora. cacos de um vaso português azul e branco que nunca mais vai ser inteiro outra vez, nem com a cola mais potente que existe.

e ainda bem.

esse texto te lembrou aquela da pitty, na sua estante? pois é, me lembrou também. engraçado né? a forma que a ficção dança com a nossa vida? mas olha, se você leu até aqui, quero te pedir, por tudo de mais bonito que existe: nunca aceite ficar na estante de alguém, tá bem? não é justo com você mesmo. estamos combinados? agora vamo escutar pitty junto?

esse vaso (também) inspirou esse texto :)

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