por que é que dói tanto quando o nado não é sincronizado?

Luana Silva
4 min readFeb 3, 2024
little woman (2019)

algo que me atrai nos filmes com final interpretativo são as possibilidades que se abrem na vida dos personagens enquanto os créditos sobem.

isso talvez explique o motivo dos meus pensamentos dançarem de vez em quando em direções que já não me pertencem mais. ainda assim, quero que saiba: quando penso no filme sobre você imagino sempre como se o wes anderson tivesse planejado todo o cenário. é um charme, todo colorido e perfumado que nem as campanhas da dior.

sei bem que é impossível olhar pro passado com as lentes certas. é normal enxergar tudo meio opaco e enfeitar a narrativa. mas mesmo assim, de uma coisa tenho certeza: olhar pra você sempre vai ser como tentar respirar enquanto uma camada pesada de aço me atravessa. é bem por isso que prefiro cruzar as avenidas sem checar o movimento dos carros, só pra não correr o risco.

estive pensando, você ainda leva livros pra todos os lugares, como se a sua sobrevivência dependesse das páginas amareladas? e toda aquela solidão disfarçada de independência, você conseguiu se livrar dela?

penso nisso tudo porque você sabe bem como sou. eu gosto mesmo é das possibilidades. e uma delas, tem me feito sonhar com os olhos abertos. e se eu te dissesse que torço com todas as minhas forças pra passar no mestrado lá na serra do mar? você me acharia corajosa ou tentaria me convencer a deixar pra lá?

você sabe — e eu também sei — que a segunda opção não iria funcionar. quando olho lá pra frente, é assim que quero que o meu filme seja depois que os créditos subirem.

no fundo, eu sei qual seria a sua resposta, e isso explica o motivo da gente ter saído de protagonistas a coadjuvantes e por fim, figurantes da vida um do outro. talvez a nossa comédia dramática fizesse alguém rir, quem sabe?

veja bem, só o livro francês, que grifei quase inteiro por ser tantas versões minhas consegue descrever que foi perto de você que tive meus mais belos pensamentos*. é que contigo eu fui eu mesma até demais.

deve ser, no fim das contas, isso que me assusta. não saber se vou sentir algo parecido outra vez. de ter a sensação que, daqui pra frente, só vou sentir versões menores de tudo que já senti antes.

esse não é um pensamento que a terapeuta aprovaria, óbvio. é um pensamento apressado, intrusivo, enraizado. mas, fazer o quê? tem horas que até eu me esqueço que sou fã das possibilidades, que acredito que a vida tem seus caminhos e que se afobar não é a solução. o duro é se convencer disso quando a dúvida bate.

sabe, quando vi que vai sair uma série nova de one day, lembrei na hora que te apresentei essa história e quis te contar do remake. isso te causou algum impacto esquisito do lado de dentro?

o impacto que causou por aqui me lembrou como eu consigo imitar com maestria os passos da emma sem nem me esforçar. aquele perfeccionismo desproporcional pro corpo, o medo de não dar conta, aquela espera milenar e angustiante, a vontade de que tudo dê certo, os sentimentos reprimidos, os empregos de meia tigela e aquele brilho nos olhos quando o assunto é arte. quando olho pra tudo o que a emma carrega, é como se estivesse vendo meu reflexo num espelho infinito. pra mim, one day sempre foi sobre ser jovem adulto e se sentir um tanto perdido, cada dia um centímetro a mais.

quando a gente entra em determinados espirais, é difícil pular fora. dá vontade de fugir da gente mesmo, comprar uma passagem só de ida pra alguma ilha deserta ou implorar pra dar um passeio em marte. quando tudo isso recai sobre mim como um balde de água fervendo, me sinto pequena demais.

foi numa dessas vezes, que quis saber de você. quis saber se a gente dividia o mesmo desespero e sentia falta da sua melancolia exagerada que sempre me fazia rir, mas desisti. cresci num lar em que alguém sempre olhava pra trás e decidia que não abandonaria o barco naufragado, pois a situação nem era tão ruim assim, já que o amor era desse jeito mesmo. jurei pra mim mesma que essa palavra teria outro significado no meu vocabulário. e é nisso que a emma e eu somos diferentes. quando os créditos subirem, game over pra ela. por aqui, meu filme continua sendo filmado em 4k, com uma iluminação quente e roupas coloridas.

afinal, não há nada mais bonito que a possibilidade. ok, talvez só a paleta de cores dos filmes do wes anderson.

nota: primeiro de 2024, eba! desde que li a elegância do ouriço da muriel barbery ano passado, tenho tentado falar sobre tudo que senti enquanto grifava frases e frases no kindle. li o livro enquanto estava numa fase horrível e que não conseguia escrever ou conversar, e esse livro nomeou os sentimentos e me deixou menos confusa. a arte é poderosa ou não é? esse texto (também) foi inspirado em um quote do filme “her”, na música “bird set free” da sia, no livro “one day” e em cenas do filme “o casamento do meu melhor amigo” com a querida julia roberts. tem muita ficção nesse texto, e também tem retalhos da vida real. te desafio a imaginar o que é real e o que é inventado pelas vozes da minha cabeça. faz meses que comecei a escrever ele, tava engavetado e tudo. olha, aqui vai um recado pra você: tem muito lugar que a gente tenta caber por desespero, e acaba atropelando tudo. vamos tentar fazer menos disso daqui pra frente, você e eu?

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