queria que agora o tempo parasse

[até que eu conseguisse me sintonizar de novo]

Luana Silva
3 min readSep 5, 2022

é bonito te ver planejar os dias como se tivéssemos o infinito à nossa disposição. acho que se me perguntarem qual é o seu maior charme, vou responder que é esse seu jeito de enxergar a vida como se ela fosse um novo movimento artístico florescendo nas galerias da cidade. esse traço é só seu, mas colore tudo ao redor.

até eu, que ando com o coração pesado por causa da linha de chegada que estou prestes a cruzar me sinto mais firme ao te capturar com meus olhos.

tento desvendar o seu segredo pra respirar sempre assim, como se morasse dentro da melodia de here comes the sun de tão livre. será que essa calma toda vem da sua mania de só beber vinho em canecas? ou quem sabe desse seu hábito de escrever religiosamente aquelas três páginas matinais toda manhã? talvez cê já tenha desistido da humanidade e esqueceu de avisar. é, isso explicaria muita coisa.

ando querendo te perguntar: também foi difícil quando chegou a sua vez de se despedir de algo importante?

essa não é a primeira vez que sinto isso. já aconteceu tantas vezes, só que me sinto desajustada por nunca me acostumar com a sensação de mudar de fase. é sempre um processo lento e desesperador. talvez seja porque esse é um lance que não está no meu controle.

sei bem que não adianta lutar contra esses sentimentos conflituosos: quando chega a hora de se despedir das coisas boas é difícil não ficar beirando a nostalgia e não temer os próximos passos. é que, esses dias ansiosos me deram saudade daqueles verões luminosos em que a gente nem sabia direito o que queria ser — além de atores de cinema igual a audrey hepburn, óbvio.

é uma saudade tão bonita que me dá vontade de chorar um oceano, mas vou segurar por causa dessa maquiagem que não é a prova d’água. esse sentimento é uma coisa que me atravessa e quase me divide. tento viver no agora, mas é tão difícil segurar o impulso de tentar prever os cenários futuros e sempre visualizar os maiores desastres que esse planeta já viu. acho que fiz aula com o randall pearson naquelas seis temporadas de this is us.

é que é tudo tão novo e esmagador. às vezes tenho certeza que me encontrei, já outras, acho que me perdi de vez. vai ver é algo que todo mundo sente de vez em quando, né? é que ninguém sai anunciando nos jornais, então fica difícil saber com exatidão, sou obrigada a especular a possibilidade. você também sente isso de vez em quando?

tenho transformando esses dias em que tudo vira bagunça em arte. quando chegar lá no futuro, sei que vou olhar pra esses escritos do jeito que você me olha: com uma admiração tão concreta que é até difícil disfarçar.

lembra quando você me disse que toda canção bonita só pode ser ouvida de verdade no agora? e que esse é o único jeito de ela conseguir fincar raízes dentro da gente? acho que isso vale pra todas as outras coisas também: estar atento. escrever o momento presente com tinta permanente para que ele vire uma memória que nem os tempos difíceis serão capazes de apagar.

vou seguir na tentativa de fazer isso. não quero mais perder de vista a esperança de que o céu vai abrir de novo e que vai ficar mais fácil atravessar esses temporais. já perdi ela uma vez e me dei conta de que essa esperança é a coisa mais preciosa que podemos carregar dentro da gente. ela segura feito rocha quando a gente começa a caminhar sobre a areia movediça.

vai ver, o jeito é mesmo aceitar que tudo muda e que a gente precisa seguir adiante, aprender a nadar conforme a correnteza. mas como?

um lugar bem longe daqui (2022), sony

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