você não tem motivos para ter medo

sim, você pode encarar isso

Luana Silva
4 min readMar 12, 2024

estive experimentando um estilo mrs. dalloway de viver. admito que nunca consegui ler o mundo inteiro que esse livro é, mas penso que se tem algo que aprendi com a clarissa é a observar cada detalhe como se fosse um matisse bem grandão.

o motivo é que eu não saí para comprar as flores, e sim visitar minha livraria favorita na cidade e saborear os livros ilustrados com os olhos. no caminho, duas figuras invadiram meu campo de visão.

o boné verde sálvia do estranho no elevador me fez perceber que existem muitas pessoas bacanas espalhadas por aí ainda — é só exercitar o olhar atento — , e que as lojas criativas ainda vão levar todo o meu dinheiro. leio através do reflexo no espelho“dogs are my favorite people”, enquanto ele se distrai checando o celular.

segurando a mão livre dele, uma mulher de macacão french crepe, mantém os olhos vidrados no próprio celular enquanto o movimento dos andares embaixo de nós formigam nos meus pés. elevadores provocam um desconforto sem tamanho nos meus sentidos. é sempre uma luta pra não pensar nos piores cenários possíveis enquanto as luzinhas vão descendo ou subindo antes de anunciar a chegada.

nenhum dos dois levanta o olhar quando por fim chegamos em terra firme. parecem robôs, daqueles dos filmes com o will smith, que sempre me assustam. essa não é a primeira vez que noto esse tipo de situação silenciosa. é algo diário, que acontece por toda parte e com todo mundo — até com você — , se não cuidar bem.

a impressão que tenho, enquanto sigo pelo caminho da livraria mais charmosa da cidade — aquela em que todo fim de tarde alguém no mezanino toca chopin até a hora de fechar, é um daqueles lugares que regam a gente por dentro, sabe? — é que as pessoas estão perdendo a habilidade de olhar nos olhos e conversar.

estava reparando o que faz todo mundo se identificar e gostar da trilogia before sunrise, por mais que seja um tanto antiga: os protagonistas conversam sobre tudo, o tempo inteiro, como se a vida deles dependesse das palavras. e isso pra mim, é a parte mais bonita de toda relação que se constrói na vida.

talvez seja porque agora voltei a morar só e o que mais escuto agora são as músicas do james smith em sequência every single days pra fugir das notícias horríveis dos jornais, que toda oportunidade que tenho de conversar de verdade com alguém eu ganho meu dia.

acredite quando digo que amo o silêncio e a paz de não precisar presenciar pessoas brigando logo cedo por motivos tão pequenos. mas aprendi a gostar de escutar e conversar com as pessoas nos últimos tempos, como se fosse uma colecionadora de histórias e ganhasse pra isso.

deve ser por isso que, passeando entre as prateleiras no ritmo das notas do piano, avistei a sua caligrafia em meio aquele emaranhado de tantas outras letras redondas no mural interativo florescente e sorri.

eu não precisaria ser uma detetive pra constatar que você rodopiou por lá, pediu frappé sabor doce de leite e passou um tempão namorando os livros da sally rooney — acertei?

mas não foram esses detalhes tão fragmentados que me trouxeram de volta pro presente. talvez tenha sido por causa do que você escreveu, aos garranchos, que existe muito céu pra ver, muitos calendários pra adentrar, muitas histórias pra trocar, muita coragem pra experimentar e coisas lindas pra construir que chacoalhou os meus sentidos. ou porque naquele instante, reconheci que sentia falta dos seus conselhos malucos mesmo após esse tempo todo e que você me fez gostar de conversar de verdade com as pessoas.

e isso tudo, de algum jeito, me deu vontade de ser livre de novo. ano passado foi o tempo em que eu menos escrevi na minha vida inteira e isso pesou um bocado. foi também o ano que senti as pancadas da vida com mais intensidade, e talvez isso tenha me quebrado de jeito que foi difícil recolher os cacos todos. vez após vez, me senti tão pequena, que parecia não sobrar espaço pra sentir outra coisa.

mas há, sim. há outros sentimentos para abrigar além desses vazios confusos. e muito céu pra ver também. muitas músicas novas pra adicionar à playlist lavando a louça, livros de ilustração pra se inspirar, pessoas incríveis pra conhecer, cidades pra desbravar e conversas lindas pra colecionar.

só basta que eu decida comprar eu mesma as flores e manter o coração atento. boas conversas estão à caminho. torço pra que a nossa não demore.

nota: queridos swifties, esse é pra vocês. texto inspirado em “you’re on your own, kid” uma música potente que me fez ter uma belíssima crise de ansiedade algumas horas depois de entender que ela se encaixa certinho no que ando vivendo nos últimos meses. a arte é mesmo um negócio que muitas vezes nos obriga a encarar coisas que estamos fugindo e existe beleza nisso também. eu não sei você, mas decidi que esse ano faria as coisas diferentes e iria encarar tudo — não importa o que venha por aí. e também decidi que iria trazer minha versão tagarela que gosto de ser secretamente, mas que a ansiedade rouba de tempos em tempos. essa é uma música sobre encarar as mudanças, fazer memórias e viver o presente, pois ele dura um segundo só. eu, daqui dos meus quase 25 anos digo que, apesar da pressa querer atrapalhar esse processo, é preciso mesmo muito esforço pra conseguir fazer tudo isso. eu vou tentar daqui, você tenta daí?

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