você sabe que é hora de ir

Luana Silva
4 min readJul 24, 2024

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já faz uns oito dias que chove sem parar. o inverno aqui exige blusão, meias e bebida quente o dia inteiro e, quando passo o café, dá pra enxergar com nitidez o vapor dançando no ar.

uns setenta dias atrás eu me mudei de cidade. e de estado. e de apartamento também. troquei o calor de 50ºc na sombra por 15ºc embaixo das cobertas.

numa manhã dessas, decidi que ia cortar o cabelo para acompanhar a fase nova e em seguida me arrependi. fazer o quê, né?

deve ter sido mesmo muita mudança junta, não sei como não perdi o sossego de vez.

talvez tenha sido sleep on the floor — a música mais corajosa que eu conheço, que fala sobre fugir pra se encontrar, arriscar algo diferente com a certeza de que ficar no mesmo lugar é pedir pra se afogar.

Ou até a morte de ivan ilitch — o cara que viveu uma vida projetada pelas vontades dos outros, que sempre fez tudo tão roteirizado até ficar infeliz pra burro no leito de morte e concluir que, bem, não tinha muito a fazer a respeito além de beirar a nostalgia.

talvez tenha sido a vontade imensa de me aventurar que me fez pular de paraquedas em uma situação nova mesmo morrendo de medo de altura.

sabe quando você olha pra sua vida e percebe que só está sobrevivendo, o tempo inteiro, no automático? e daí você se olha no espelho e nota que é não é mais tão jovem pra fazer certas loucuras mas também não é tão velho a ponto de escolher se acomodar?

é um sinal claro que é hora de ir adiante, testar algo novo.

porque o tempo é agora e a gente é instante. ficar no mesmo lugar também faz o tempo correr, ainda que lento. então, apenas vá trace um novo caminho.

li um verso esses dias que dizia algo assim: “tenho tanto medo de falhar que às vezes esqueço que ainda sou jovem”. talvez você se sinta assim também. isso pode ser algo coletivo e contagioso, que todo mundo prefere esconder embaixo da cama, coisa do tipo.

escrevi sobre isso aqui quando estava no final da faculdade. e só agora vejo como esse medo de falhar me acompanha feito sombra desde sempre e como dói cada costela só de listar mentalmente tudo que pode sair dos eixos.

sabe, tem três meses que ensaio te contar que passei no mestrado na serra do mar, e que essa é a realização de um sonho muito sonhado. é que morar em santos é um sonho antigo, mas que nunca permiti engavetar.

mas sempre que estou quase contando, recuo um passo e acabo encarando a tela cheia de frases incompletas e soltas.

porque ainda não consegui comemorar e a única coisa que sinto o tempo inteiro é o medo disso tudo ser uma grande bobagem. dessa mudança toda ter sido uma ideia maluca e que é melhor eu voltar pro antes.

lá no antes era seguro e confortável, aqui nem sempre é.

e eu sei que você comemoraria tudo isso como se essa conquista fosse sua.

por isso, nessas horas, tento me convencer que é bonito confiar nas tentativas e perceber que elas desbloqueiam fases corajosas, que eu nem sabia que precisava viver, apesar da confusão de sentimentos aqui dentro.

e ainda que esse seja só um pequeno passo na montanha de passos que me aguardam, sei bem que achar graça é tão importante quanto tentar prever o que vem a seguir.

fiquei pensando durante um tempão como escrever aqui sobre todos os desdobramentos que andam acontecendo do lado em que a tela não alcança.

e a verdade é que, a única coisa que consegui formular mesmo é que eu quero muito sentir daqui pra frente que as minhas escolhas são minhas mesmo e não a projeção do que alguém espera de mim.

porque tentar ser o que a gente não é ainda vai nos roubar um montão de vida. e existe muita coragem em se permitir tentar (ou seria testar?) algo novo. não há nada de errado em fazer uma mudança radical, seja ela qual for.

a gente tem licença poética pra tentar quantas vezes forem preciso. não existem limites pra esse tipo de coisa. não deixe que ninguém te diga o contrário, ok?

nota da autora

eu meio que virei uma grande fã do the lumineers no último ano. aliás, sleep on the floor e cleopatra são as minhas favoritas, porque falam sobre coragem e arrependimento, e elas meio que se complementam, tipo a vida. eu percebi, ouvindo o álbum, que é muito perigoso aceitar as coisas como elas são e descartar as possibilidades por medo. e também, que ter medo de ir embora de algumas situações é pedir pra se afogar. então, não se afogue, pule fora que ainda é tempo. e outra: corra atrás dos seus rolês. não pare de tentar só porque todo mundo: acha ridículo/pensa que é uma perda de tempo/faria de outro jeito no seu lugar. abrace as chances e se abrace no caminho. lembre-se que você sempre sabe quando é hora de ir. e caso não saiba, ouça it’s time to go, da taylor, que também inspirou esse texto :)

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